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    Os olhos e o fármaco

    Os olhos e o fármaco

    Você sabia que alguns medicamentos podem causar efeitos silenciosos na visão?

    Mudanças visuais nem sempre aparecem de imediato e, por isso, a atenção preventiva é essencial.


    A seguir, compartilhamos um texto completo do Prof. Marcelo Santana sobre a relação entre fármacos e saúde ocular – um tema importante para pacientes e profissionais da optometria:

    Os olhos e o fármaco

    Vivemos numa era em que o uso de medicamentos tornou-se cada vez mais disseminado – não apenas para tratar doenças, mas também como recurso rápido para dores, estética, bem-estar e para lidar com o estresse cotidiano.

    Porém, esse consumo massivo, muitas vezes desorientado e sem a devida orientação especializada, traz consigo riscos pouco percebidos: efeitos adversos que incidem diretamente sobre a visão e a saúde ocular.

    Embora a prática de prescrição seja apenas pelo médico e uso de fármacos seja essencial para o controle de diversas doenças (portanto, cabe ao médico o manejo), o olho frequentemente recebe pouca atenção nesse contexto – como se tivesse uma “blind spot” nos roteiros terapêuticos. Isso é particularmente grave, porque os efeitos adversos podem surgir de forma silenciosa, sem sintomas visíveis, tornando-se um problema de saúde pública que merece a vigilância de todos os profissionais de saúde visual.

    Portanto, é fundamental que ópticos e optometristas perguntem aos seus pacientes sobre o uso de medicamentos – se estes foram prescritos por médico caso contrário, orientar que busquem avaliação médica para esse fim. Quando houver indicação de uso de fármacos, vale a pena verificar a bula ou o rótulo em busca de possíveis efeitos colaterais visuais ou oculares, e aconselhar o paciente a comunicá-los ao seu médico. Essa postura não só facilita a identificação de reações adversas, mas também evita que a adaptação a uma nova prescrição ou a novos óculos seja frustrada. Além disso, em certos casos, pode ser prudente encaminhar o paciente a um oftalmologista, como medida preventiva para preservar a saúde ocular.

    Enviarei um trecho da minha dissertação do mestrado sobre possíveis alterações visuais e oculares por uso de fármaco:

    “O uso de medicamentos tem se tornado cada vez mais comum na sociedade, impulsionado pelo progresso tecnológico da indústria farmacêutica, pela ampla divulgação dos benefícios dos remédios e pela facilidade de acesso a esses produtos. Esse cenário tem levado ao uso indiscriminado de fármacos. Em busca de soluções rápidas para dores, tratamentos, prolongamento da vida ou até mesmo por motivos estéticos, muitas pessoas recorrem a esses medicamentos de forma inadequada, configurando um grave problema de saúde pública (SOUZA et al, 2018 MADEIRA et al, 2020).

    A pandemia da COVID-19 agravou essa situação, aumentando em mais de 6% a prevalência de problemas de saúde mental e, consequentemente, o consumo de fármacos sem o devido acompanhamento profissional. A falta de orientação especializada, somada à negligência na consulta à bula e ao rótulo dos medicamentos, compromete o conhecimento sobre seus possíveis efeitos colaterais e interações medicamentosas, elevando os riscos à saúde visual e ocular (CONSTABLE, et al.,2023 SABHERWAL et al.,2023).

    Como o uso de fármacos é amplamente disseminado, os efeitos colaterais podem ocorrer mesmo quando esses medicamentos são utilizados no tratamento de diversas condições patológicas, sejam elas crônicas ou agudas. Apesar de sua importância para inúmeros tratamentos, os medicamentos podem causar efeitos adversos que comprometem tanto a saúde ocular – relacionada à estrutura do olho – quanto a saúde visual, que envolve a captação da luz e o envio de informações ao córtex cerebral, um aspecto frequentemente negligenciado por pacientes e até por profissionais da saúde (SOUZA et al., 2018 MADEIRA et al., 2020 CONSTABLE et al., 2023 SABHERWAL et al., 2023).

    O comprometimento da visão pode ser temporário, leve ou irreversível, afetando a qualidade de vida do paciente. Medicamentos como corticosteroides, anticolinérgicos, quimioterápicos ou de uso habitual, como os destinados ao tratamento da hipertensão e do diabetes, podem não apresentar sintomas visuais imediatos, mas ainda assim afetar a saúde ocular, causando condições como catarata, glaucoma, degeneração macular e maculopatias. Isso dificulta o início do tratamento. Mais de 40% dos pacientes que utilizam medicamentos para doenças sistêmicas graves são afetados por efeitos colaterais significativos (SABHERWAL et al., 2023 TORRES et al., 2024).

    Um dos grandes desafios na deteção de efeitos colaterais oculares e/ou visuais relacionados ao uso de fármacos é o fato de muitas patologias, como a catarata e o glaucoma de ângulo aberto, não apresentarem sintomas iniciais, o que impede sua identificação precoce. Essa deteção inicial é essencial para prevenir danos irreversíveis. Além disso, mesmo com o acesso às bulas e rótulos, muitos pacientes não procuram informações sobre os efeitos colaterais e, por isso, não associam os sintomas ao uso do medicamento (SMITH et al., 2019).

    Entre os principais aspectos da toxicidade ocular, destaca-se o fato de que muitas manifestações medicamentosas são reversíveis se detetadas precocemente. A toxicidade pode afetar diferentes estruturas oculares, como a retina, o nervo óptico e os vasos sanguíneos…(SOMISETTY et al., 2023).

    A toxicidade depende da dose do medicamento, da interação medicamentosa (polifarmácia) e da presença de comorbidades, que podem tornar o paciente mais suscetível. O mecanismo de toxicidade pode ocorrer por interferência nos processos celulares (como a absorção de glutamato ou a formação de complexos lipídicos), ou ainda por mecanismos imunológicos ou metabólicos (SOMISETTY et al., 2023).

    Com o aumento da prevalência de distúrbios de saúde mental, também cresceu o uso de fármacos psiquiátricos para tratar ansiedade, depressão e estresse. Medicamentos como antidepressivos tricíclicos (com efeitos colaterais como midríase pupilar, visão turva e risco de glaucoma de ângulo fechado), inibidores seletivos da recaptação de serotonina (associados a olho seco e catarata) e benzodiazepínicos (ligados ao desenvolvimento de glaucoma) estão entre os mais utilizados. O uso prolongado desses medicamentos pode provocar outras alterações oculares, como redução na produção de lágrimas, dilatação pupilar, diminuição da sensibilidade da córnea e aumento do risco de catarata (CONSTABLE et al., 2023).”

    Em resumo, o texto destaca que nós, profissionais da saúde visual – ópticos, optometristas, contatólogos e afins – devemos estar vigilantes quanto ao uso de fármacos pelos nossos pacientes. Mais do que vender óculos, prescrever lentes ou corrigir grau, cabe a nossa atenção sobre os possíveis efeitos colaterais dos fármacos quem poderão comprometer o nosso trabalho. Não devemos suspender nenhum medicamento, mas orientar o paciente a procurar o seu médico e relatar o que está descrito na bula, e possivelmente afetando a visão.

    Na próxima coluna, falarei mais sobre a relação visão, olho e fármaco e sobre a nossa tarefa de prevenção e cuidado com os olhos.

    Até a próxima!

    Prof. Marcelo Santana, Me.
    Técnico em Óptica e Contatologia – SENAC/SP (2003)
    Graduado em Tecnologia em Óptica e Optometria – Centro Universitário Braz Cubas (2009)
    Pós-graduado em Optometria Avançada (2011)
    Pós-graduado em Ortóptica e Ciências da Visão (2019)
    Especialização Básica em Fototerapia em Optometria Syntonics – College of Syntonic Optometry (2022)
    Mestre em Ciência e Tecnologia da Saúde – Universidade de Mogi das Cruzes (2025)
    Docente Titular – Centro Universitário Braz Cubas (2011)
    Gestor Acadêmico do Polo Bela Vista/ Cruzeiro do Sul (2018)
    Bacharelando em Psicologia.

     

    O CROOSP apoia a divulgação de conteúdos educativos que valorizam o papel da optometria na promoção da saúde visual.
    Leia o artigo original em: Opticanet – “Os olhos e o fármaco”.

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