Doutores e "doutores"
Este artigo trata da
celeuma sobre quem deve e merece usar o título de
Doutor. Em 1983, ao conduzir minha mãe ao consultório
médico, tratei o profissional da Medicina como "médico"
Fulano de Tal". Ele exigiu que eu o chamasse de
"Doutor"! Perguntei, pois, em que universidade ele havia
obtido o título de Doutor. Recentemente, um profissional
da Educação recebeu um título comissionado, e seus
assessores exigiram a colocação do título Dr. nos
documentos encaminhados ao referido "chefe".
Solicitei uma cópia do
diploma de Doutor (realizado no Caribe) e não obtive
resposta, pois aquele "Doutorado" não havia sido
reconhecido pelo MEC. Sob esse prisma, qualquer
profissional pode utilizar o Dr, certo? Há doutores e
doutores! Cabe discernir onde o vulgo confunde.
Aurélio Buarque de
Holanda Ferreira, em seu Dicionário, ensina que doutor é
"aquele que se formou numa universidade e recebeu a mais
alta graduação desta após haver defendido tese em
determinada disciplina literária, artística ou
científica". Na prática, porém, chamamos o juiz, o
procurador, o delegado e o promotor, fisioterapeutas,
nutricionistas, advogados e mesmo políticos do perfil do
atual presidente da Câmara Federal (Severino) mesmo sem
aquela mais alta graduação universitária, de "doutor".
O Brasil é o país com o
maior número de doutores no mundo. Basta ser advogado,
delegado, ou qualquer tipo de autoridade, que você já se
julga, ou te tratam, como doutor. Senadores, deputados,
vereadores, políticos, juízes e administradores públicos
em geral, lotados nas jurisdições do país, usurpam sem
vergonha o título supostamente acadêmico.Por quê? A lei
não confere aos detentores desses cargos públicos a
denominação de doutor. A linguagem técnica, recomendável
até por uma questão de etiqueta, indicaria chamá-los por
senhor juiz, senhor procurador, senhor delegado, senhor
promotor.
Semelhante prática atinge
aos profissionais da saúde. Chama-se o médico de doutor.
Não seria técnico chamá-lo por senhor médico?
Etimologicamente, o vocábulo "doctor" procede do verbo
latino "docere" ("ensinar"). Significa, pois, "mestre",
"preceptor", "o que ensina". Da mesma família é a
palavra "douto"que significa "instruído", "sábio".
Sábio. De tempos em tempos, volta a dúvida, a discussão:
quem é Doutor/doutor? Devo/posso chamar meu médico de
"doutor"? E um advogado pode assim se denominar? E os
cirurgiões-dentistas, os engenheiros, os enfermeiros, os
fisioterapeutas? "Doutor" não é apenas quem defende tese
em Curso de Doutorado? Afinal, "doutor" é título ou
forma de tratamento?
Quem é doutor? No Brasil,
o curso de medicina tem nível de bacharelado (contando a
residência, no máximo, mestrado) pois não requer
graduação prévia, e nos EUA todos os médicos são
Doutores em Medicina, pois o longo curso tem nível de
pós-graduação, exigindo a conclusão prévia de um curso
de graduação de pelo menos quatro anos. Nos países de
língua inglesa, os médicos são chamados de "doctor".
Quando escrevem artigos,
ou em seus jalecos, no entanto, não empregam o termo,
mas apenas o próprio nome, acompanhado da abreviatura
M.D. (medical degree), isto é, "formado em Medicina",
"médico". Por aqui, alguns médicos que, mal se formam,
já mandam bordar em seus jalecos ou imprimir em seus
cartões de visita o"dr.". O hábito de chamar alguém
doutor não deve ser confundido com o direito à
titularidade, até mesmo sob o ponto de vista jurídico.
Seria a mesma coisa que o Ronaldinho reivindicar um
reinado, coroa de ouro e súditos, só por que as pessoas
se habituaram a chamá-lo "Rei de Madrid".
Quanto ao "doutor" do
enfermeiro, do fisioterapeuta, do cirurgião-dentista, do
engenheiro, do formado em curso superior .... dizem os
dicionários que "doutor" é um título que, por cortesia,
se costuma dar àqueles diplomados em curso superior. Se
costuma, de fato, não há por que discutir. Algumas
profissões não-médicas da área da saúde - como a de
enfermeiro e de fisioterapeuta - evocam também para si a
prerrogativa do título de "doutor".
Assim, o Conselho
Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional de 8ª
Região - CREFITO 8 - recomenda o título de "doutor"
aos profissionais fisioterapeutas e terapeutas. Por seu
turno, também o Conselho Federal de Enfermagem - COFEN -
autoriza o uso do título pelos enfermeiros, conforme
Resolução COFEN nº 256/2001. Entendem os respectivos
Conselhos que deva ser mantida a isonomia entre os
componentes da Equipe de Saúde e que "a não utilização
do título de Doutor leve a sociedade e mais
especificamente a clientela (...) a pressupor
subalternidade, inadmissível e inconcebível, em se
tratando de profissional de nível superior".
O Brasil ainda tem poucos
doutores (menos do que a Índia), pois não se contam aos
milhões aqueles que se dispõem a, terminada a graduação,
ingressar nos programas de mestrado, no qual defendem
uma dissertação, para depois, entre cursos e trabalhos,
defender uma tese inédita de doutorado. Constata-se que
Doutores e excelências Brasil "dão" em árvores que
geralmente não dão frutos. A sugestão é que os
profissionais com os "falsos" Dr, impregnem-se de
ciência e identifiquem-se pelo cargo, ou conquistem o
título que preceda seus nomes! Pretensos "doutores",
conquistem seu Doutorado! Os Joãos e Marias de tal,
analfabetos e desempregados, agradecem.
Prof. Arlindo Costa